segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

Meu primeiro surfe na plataforma

(Site Ondas do Sul)

Cracas! Muitas! E muito afiadas! Os pilares me pareceram muito mais perigosos, assim, tão de perto. Além disso, achei muito estranha a correnteza que se forma perto deles. Na verdade eu estava tão assustado que não conseguia ficar perto, portanto acabava tomando as ondas na cabeça em vez de aproveitar o canal.

Mas era apenas o meu primeiro surfe na plataforma. Naquela época, para se chegar até o pier, era necessário descer de carro mais ou menos na altura do condomínio Quebra-mar. Dali até o pico, era só areia e cômoros.

Eram outros tempos. Minha família mudava-se para Imbé em dezembro e só voltavamos para a cidade em março. Costumava surfar só em Imbé. Na verdade, o meu mundo não ia além da barra. Nem imaginava que poderiam quebrar ondas tão diferentes, tão perto dali.

Eu fazia parte de uma nova geração de surfistas que estava surgindo. Cabia aos mais velhos nos mostrar os segredos do esporte. Para nós, um bando de pirralhos, poder vadiar a tarde inteira com esta turma era o auge. Isto acontecia na oficina de consertos de pranchas que ficava nos fundos da casa do Ticaio. Prestávamos atenção a cada detalhe do que faziam. Eu ficava maravilhado com a perícia que tinham em lidar com aquelas "gosmas" que, segundo eles, depois endurecia e servia de "casca" para as pranchas.

Estes eram os caras que nos inspiravam. Eles caiam nos dias grandes, de ressaca, enquanto nós subíamos nos cômoros para acompanhar de lá, os drops que, para nós, pareciam gigantescos.

Numa destas tardes, o Marco "Bicudo" Martins, junto com seu irmão George e o Gustavo "Guga" Adams, me convidaram para ir surfar na plataforma. Para mim, o que contava era a oportunidade de dar uma caída com os caras. Nem pensei onde estava indo surfar. Era algo totalmente novo para mim: colocar minha prancha na capota do Doginho do Bicudo e embarcar no meu primeiro "surfari". Eu não estava cabendo dentro de mim.

Quando chegamos ao pico, eu nem olhei para o mar. Isto não era o mais importante. Eu só tinha olhos e ouvidos para o que estava acontecendo naquele carro. O som que tocava. Os papos dos caras. Eu já estava me sentindo "o surfista"!!

Lembro como se fosse hoje, do Bicudo me dando as dicas no canal: "rema perto os pilares Giovanni, pois ali há um canal e não quebram ondas..." mas como já disse, eu estava muito apavorado para aproveitar o canal...

Na verdade não lembro como estavam as ondas. Se não me engano estava fazendo um típico final de tarde de verão: ventinho nordeste, água quente e meio metrão de onda. É claro que não tinha nenhum outro surfista dentro dágua - naquele tempo contava-se nos dedos o número de praticantes nas redondezas - a maior parte deles de Novo Hamburgo e Porto Alegre.

Depois deste dia, minhas caronas para o pier tornaram-se mais frequentes (provavelmente meus tutores não notaram meu pavor e me acharam boa companhia). Aos poucos fui perdendo o medo dos pilares e acabei virando um viciado no surfe "do outro lado do rio". E à medida em que comecei a surfar com mais frequencia no pier, comecei a fazer novas amizades e a formar uma nova turma. E o melhor: esta turma se encontra até hoje - às vezes dentro dágua e às vezes fora, em churrascos que estão se tornando tradição, no escritório do Fernando Ferrari, em Porto Alegre.

Na verdade, desde aquele primeiro banho no pier, minha vida nunca mais foi a mesma. Foi como se eu estivesse "pulando de fase" naquele dia. Encerrando minha fase iniciante e transformando-me num verdadeiro surfista.

Foi ali que aprimorei meu surfe e também foi ali que acabei conhecendo minha esposa. Meus melhores amigos são frequentadores do pico e minhas mais doces lembranças, ligadas à praia, passam por perto daquela plataforma.

Viajei para alguns paraísos de surfe e ainda assim morri de saudades das ondas do pier. Já fiz mais propaganda do local do que a própria Prefeitura. Já representei o pico em competições. Acompanhei várias gerações de surfistas surgirem. Já briguei, bati boca e me diverti muito surfando no local.

30 longos anos se passaram e ainda me lembro daquele primeiro banho com o Bicudo. Penso que se não tivesse sido aquela carona, minha vida poderia ter tomado um rumo totalmente diferente.

Obrigado Bicudo, te devo esta. Obrigado Tramandaí, minha vida ainda acontece aí.

Boas ondas.

Fábio Fabuloso

Hoje é domingo, dezembro, está fazendo um calor danado e acabo de sair do cinema de um shopping de Porto Alegre.
Como assim...? Dezembro, o maior sol do mundo e eu na cidade...? Não, ainda não fiquei louco. Tive que ficar porque no sábado tinha um compromisso e a idéia original, era passar o domingão na praia. Só que dei uns telefonemas e descobri que não estava valendo.

Foi aí que o acaso me empurrou para um dos maiores prazeres que tive nos últimos tempos: assistir o lançamento do documentário sobre a vida do paraibano Fábio Gouveia. Descobri que o evento estaria acontecendo às 14h, almocei correndo, convidei um amigo e me toquei. Confesso que, a princípio, sem muita espectativa, pois para mim, os filmes de surfe atuais são todos iguais: uma sucessão de aerials de tudo quanto é tipo, cheios de cortes malucos, normalmente filmados nas Mentawai ou em algum beachbreak safado e com uma trilha sonora trash e barulhenta. Bom para ver num bar, enquanto se joga conversa fora, mas de jeito nenhum numa sala de cinema.

De qualquer maneira, eu estava curioso, pois o filme vem ganhando tudo quanto é prêmio por este Brasil a fora - e de gente de fora do nosso meio.
Pois bem, o que posso dizer é que o filme é simplesmente sensacional. Do começo ao fim. Edição, montagem, trilha sonora, efeitos visuais, tudo. É imperdível. Obviamente não vou falar aqui sobre a qualidade do surfe, porque em se tratando de Fábio "Fabuloso" Gouveia, não há o que dizer senão que ele é o Pelé do surfe. Comparado internacionalmente com Tom Curren, desbravador de fronteiras para o surfe tupiniquim, engraçado como só ele e respeitado como poucos surfistas no mundo.

Recentemente, ouvi um comentário sobre o DVD "Pelé Eterno" que me fez compra-lo: me disseram que, após assistir o documentário, chega-se à conclusão de que Ronaldinho e Cia. não são "uma perna do Pelé". Apesar de ve-lo jogar várias vezes, confesso que tive que assistir o filme para concordar que o comentário não é um exagero. O cara é inigualável.

Da mesma maneira, ao assistir Fábio Fabuloso, fui lembrado de tudo o que este cabra fez e continua fazendo dentro e fora d'água. Também vi e ouvi histórias - a maior parte delas contadas por gringos - que eu nunca tinha ouvido nem lido a respeito.
Daí eu puxo da memória e lembro de um OP Pro nos idos anos 80. Joaquina lotada e lá, no meio daquelas centenas de surfistas amadores, um deles cujo nome nunca tinha ouvido, arrebentando com as ondas. Mas a minha surpresa não foi com o fato de um desconhecido estar acabando com as ondas - isto era normal em tempos pré-internet e Sportv. A surpresa veio quando soube que o cara era um paraibano e que estava dormindo sob o palanque. Era Fábio Gouveia, começando a mostrar-se ao mundo. Não lembro de muitos detalhes daquele campeonato, mas jamais esqueci do surfe apresentado pelo Fabinho.

Mal posso esperar pelo lançamento do DVD do filme. Há uma vaga bem ao lado do "Pelé Eterno" reservada especialmente para "Fábio Fabuloso".

Boas ondas.